Concurso: "Contos do Rio" - Revista Prosa e Verso do Jornal O Globo



Em abril de 2010 a Revista Prosa e Verso, pertencente ao Jornal O Globo lançou o concurso: Contos do Rio. Onde teríamos que criar uma história em cima de um cenário do Rio de Janeiro, com até 5 mil caracteres. Eram três fotos para serem escolhidas, e a do Largo da Carioca_RJ foi a escolhida pelos leitores. Inclusive foi a foto que eu votei também. A foto a cima é de Márcia Folleto.

Mais um Concurso lá fui eu. Resolvi escrever sobre o que eu amo além de escrever, a Música. E claro, meu instrumento favorito, o saxofone. E nasceu o meu conto: Descanso. Esta aí de primeira mão o conto que mandei para o Jornal O Globo.




Apenas mais uma praça entre milhares do Rio de Janeiro. Haveria alguma coisa diferente que a destacaria das outras demais? É apenas a conhecida dos cariocas, o Largo da Carioca. Se houver uma boa história aí sim a deixaria distinta de todas as demais. E foi lá que essa cena aconteceu.

Era apenas um dia qualquer. Uma praça de travessia de milhares, artistas, trabalhadores, pessoas comuns, pessoas especiais que não são conhecidas.

Um som diferente foi ouvido, era um músico, ele dava um som diferente aquele lugar, com seu saxofone, apagando os ruídos dos automóveis ao redor. Aquele velho sax, desenhava qualquer coisa com aquela melodia. Depois da terceira melodia o músico olhou a caixa do seu instrumento vazia e entristeceu-se. O sol esquentava seu instrumento.

_Vou tocar minha saideira _sussurrou o músico.

Ele fechou os olhos e sua tristeza rompeu no rasgo do som do seu sax.

Um menino de rua andando na direção da praça, foi atraído por aquele som. Ele avistou o músico que ainda rasgava seu instrumento.

Quando o músico abriu os olhos avistou o menino, parado, observando cada detalhe do seu instrumento, encantado. O músico olhou para o alto e percebeu que uma nuvem os cobria. Ele olhou para o menino e pegou o estojo do instrumento.

_E aí garoto? Tudo bem?

Quando ele preparava-se para tirar a boquilha do seu sax, ele reparou algumas moedas no seu estojo. O músico cismado, pegou as moedas e olhou para o menino.

_E aí pequeno, toma essas moedas para você.

_Eram minhas moço.

O músico ficou surpreso e sorriu.

_Você é um menino de rua, por que colocou o que não tem aqui?

_Achei que você merecia.

_Por quê?

_Porque enquanto tocava eu esqueci de todo mundo que esta em volta de mim.

O músico ficou envaidecido, fechou seu estojo e sentou-se nele.

_É isso que a música faz com você garoto?

_Na verdade já escutei muitas coisas, mas é a primeira vez que isso acontece. Fiquei pensando em como voltaria pra casa. E ouvi um som e vim por ele. Cheguei aqui, olhei para o céu e vi essa nuvem. Foi bom pra você né? Um descanso desse sol.

_Essa seria mesmo minha saideira, ainda bem que essa nuvem apareceu _disse o músico ainda impressionado. _Gostou da minha música?

_Gostei muito. Queria tocar como você.

_Esse é seu sonho?

_Passou a ser agora _o menino sorriu.

_Vida de músico é difícil, não vê? Estou tocando há um tempo e não arrumei nada.

_Por quê toca então?

_Para ganhar a vida.

_Pensei que tocasse para que outros esquecessem os problemas.

_Por isso também. Você é esperto menino!

_Acho que sua música é como essa nuvem. Nos dá uma sensação de descanso.

_Fico lisonjeado com seus elogios. Vou me lembrar disso quando tocar. Onde mora?

_Moro muito longe. Vim andando para conseguir algum dinheiro. Minha mãe mora com meus irmãos, na rua também.

_E me deu seu único dinheiro? Toma ele de volta!

_Não quero moço. Porque eu não mereci ele, não fiz nada hoje para merecer, você sim.

_Tome, você mereceu sim.

_Mas por quê?

_Porque toco nessa praça há quase cinco anos, e ninguém jamais parou para me dizer coisas tão boas quanto você me disse hoje.

_Não precisa pagar pelo meu elogio. Foi de graça.

_Para mim valeu a pena, não apenas os anos que passei tocando aqui, mas por todos os anos que passei estudando as partituras, e minha motivação sempre foi tocar a emoção das pessoas, e depois sim ser um músico reconhecido, mas acabei perdendo as motivações certas. E você pequeno, mostrou para mim, que ainda sou capaz de tocar as pessoas com minha música.

_Esse então era seu sonho?_o menino com um belo sorriso concluiu.

_Isso aí. E o seu, qual é?

_Que na minha vida existisse uma música assim todos os dias. Para que eu descansasse de tantas coisas ruins que me acontecem.

_Vai lá, o que gostaria de ouvir? Eu toco o que você quiser.

_Não pode tocar minha dor. Apenas me fazer esquecer que ela existe.

_Então farei isso.

O menino sentou-se no chão na frente do músico.

O músico escolheu a música que mais gostava, fechou seus olhos e tocou com toda sua emoção.

Quando ele abriu os olhos o menino sorria, e algumas pessoas estavam paradas olhando para o músico com dinheiro na mão.

O músico sorridente tirou seu boné e as pessoas colocaram moedas e notas no seu boné.

_E aí pequeno, você viu?

_Vi sim. Elas se juntaram pra ouvir você tocar.

O músico contou o dinheiro, quase trinta reais, tirou dez e disse para o menino:

_Promete para mim que não vai gastar em outra coisa que não seja comida?

_Prometo _disse o menino sorrindo. _Vou comprar alguma coisa de comer, estou com fome, e levar alguma coisa para minha mãe.

_Vou guardar suas palavras. Vai para a casa e não fica na rua.

_Moço, você quem fez a música?

_Não fui eu. Apenas toco o que alguém fez há muitos anos atrás.

_Não entendi, quem fez então?

_Na verdade pequeno, eu não sei. Esta vendo essa nuvem?

O menino olhou para cima e o músico sorriu para ele e disse:

_Sempre esteve lá, mas poucos reconhecem o valor dela. A música é como essa nuvem. Sempre existiu para trazer descanso para nossas almas.


Comentários

Marcio disse…
Vc vai ganhar! Merece!
Lisse Cunha disse…
Oie Dri!!
Hoje é mais um dia de peregrinação pelo seu blog.
Promete uma coisa para mim? Que vc nunca vai parar de escrever??

Esse texto foi lindo!!
Me fez lembrar de quando dedilhava num teclado. E era a melhor sensação do mundo.

Não tem emoção melhor do que sentir uma canção assim. Lembro da primeira música que me tocou profundamente: I HAVE NOTHING da Whitney Houston. E depois nunca mais parei; aí veio Mariah, Christina Aguilera, Tina Tunner, Kelly Clarkson, Alcione, Laura Izibor, Norah Jones, Vanessa Carlton e Alicia Keys... e a lista só cresce!

"A música está aqui mas poucos dão valor a ela!"

Obrigada!

XOXO, da Lisse